Felipe Lwe

"Quem tivé de sapato num sobra, num pode sobrá"


Deixe um comentário

Peça: “Vagaluz”, direção de Antonio Januzelli


Vagaluz é o que encontramos quando nos sentamos para assistir a peça. Os atores estão sentados na penumbra. A luz, que rebate na parede de tijolos do espaço cênico do Sesc Pompéia, mal ilumina seus corpos, como quando temos algo na ponta da língua, mas não conseguimos lembrar da palavra exata. Aquela palavra, que mal iluminada em nossa imagem mental, não pode ser traduzida por nós em linguagem.

vagaluz-giorgio-donofrio-9-scaled.jpg

Aos poucos Edgar Campos e Lídia Engelberg caminham até a luz e começam a nos contar pequenos fragmentos de histórias. Os olhos muitas vezes vidrados, um corpo que se esforça pela fala, por pequenos gemidos ou gritos, que se retorce, se aperta ou se preenche de euforia num momento de lucidez.

A sensação é de estar dentro da mente. Observando lapsos de memória, de lembranças, que as vezes se interconectam, às vezes estão misturadas à recriações, à repetições. O que permanece em nós das histórias que vivemos?

Entre os fragmentos que ouvimos é muito fácil se emocionar. As semelhanças que encontramos nessas histórias com nossas próprias histórias. Ou o medo de perder as nossas histórias com o tempo, de que o esforço que façamos para lembrar do que vivemos não nos traga mais do que algumas imagens mal iluminadas, alguns sons desconexos, uma aleatória combinação de histórias que não se encaixam.

As trocas de luz indicam as mudanças de espaço propostas pelos atores e bem devagar, quase sem perceber, estamos imaginando os locais de nossas infâncias no palco, uma tia nossa andando pelo corredor de casa, nossa mãe gritando da cozinha, alguma situação familiar mal resolvida que trazemos ainda conosco. Não há cenário, mas pelo cunho pessoal e intimista da interpretação, que nos remete às conversas das reuniões familiares, aliada ao trabalho de luz, cada espectador vai criando seus próprios cenários e sua identificação com as histórias.

Não há exatamente uma mímese da condição de alguém com alzheimer. Às vezes o corpo e a voz indicam essa condição, mas na maioria das vezes é a junção dos fragmentos das histórias, um algo sem sentido aparente, um olhar perdido ou confuso, uma explicação fora de contexto, ou, ainda mais forte, um olhar penetrante que te observa. Fixa em você a falta do que dizer junto à vontade de dizer algo. E causa desconforto em nos fazer entender que essa é a condição da memória. A memória é efêmera, muda com o tempo, o que não muda é a vontade de lembrar.

Os figurinos bastante simples remetem a uma conversa tranquila, em família, em casa, numa casa de repouso… O espetáculo todo tem essa atmosfera despretensiosa. Sem “grandes” recursos, nos aproximamos e, quando percebemos, estamos envolvidos pelo olhar penetrante da Lídia, ou pela euforia infantil do Edgar. Eles nos conduzem delicadamente por uma mente vagamente iluminada, onde, de sopetão, acontece um clarão, e é possível ver rapidamente uma lembrança. Uma lembrança sem final, que não se vê por inteira, e de novo estamos na penumbra.

Memória. Penumbra. Humana.

Para mais informações sobre o diretor:
https://jornal.usp.br/cultura/peca-de-teatro-reflete-sobre-a-autopercepcao-do-ator-e-do-publico/


Deixe um comentário

Roubaram o branco do mundo


Acabei de sair da peça de teatro “Roubaram o branco do mundo” que aconteceu aqui no Sesc São Carlos nesse sábado (18/09/10) às 16h. O teatro estava cheio de crianças, com a minha idade só eu, sentado numa das poltronas bem no meio da platéia. O ingresso custou apenas R$2,00 e o espetáculo foi apresentado pela Companhia Teatral Burucutu. Eu gostei do espetáculo, mas acredito que poderia ter sido melhor.

A peça conta a história de Constância, menina que quando nasceu afugentou o branco do mundo, Joaquim, vendedor ambulante de balões, Butano outro vendedor de balões mais jovem e sua amiga.  Os quatro acabam por procurar o branco no mundo e no meio de suas aventuras percebem que o branco está em tudo e em todos nós. Pelo nome da peça eu achei que fosse algo mais misterioso, mas a premissa é bastante interessante.

O cenário é muito bonito, no palco uma moldura com uma pano colorido ao fundo (simulando uma espécie de cochia), um vestido colocado num manequim, um rádio antigo, uma mala pequena, uma mala grande e um quadro (moldura com uma cortina de retalhos) na frente de tudo, que funcionou na mairia das vezes como a janela da casa onde se passa a história. Todo o cenário foi inspirado na cultura popular brasileira do nordeste, os figurinos com várias sobreposições de panos lisos em tons marrons, beges e alguns tons mais escuros próximos do azul marinho e do verde escuro. Todos os objetos de cena estão cuidadosamente preparados para a cena, a carroça com cortinas de chita (muito bem montada que possibilitou uma mise-en-scene cheia de movimentos), o diário de constância, a foto do Joaquim, enfim os objetos foram bem construídos e bem utilizados durante a peça.

A modulação vocal dos atores era um tanto batida, acho que na parte das vozes o espetáculo poderia melhorar, até para a parte (que eu achei muito legal) do teatro de bexigas, pra mim parecia que só se tentou chegar perto do sotaque nordestino, ao invés disso poderia se ter procurado algo de bastante específico em cada personagem para ficar mais interessante e contar mais a respeito do personagem através das vozes. Um dos atores, que personificou o Joaquim, tocou sanfona durante o espetáculo inteiro, o que foi sensacional, a música contribui bastante com a peça, nos leva mais facilmente até o ambiente que eles vivem (eu não sei bem porque mas me lembrei bastante do Beirut) e emociona em alguns momentos mais trsites da peça.

A luz foi mal utilizada, durante todo o tempo que estive dentro do teatro não houve mudança significativa na iluminação, a não ser quando as luzes da platéia se acendiam para que os atores pudessem conversar com a platéia. (Aliás um dos momentos mais interessantes da peça foi quando uma das atrizes entrega uma latinha de ervilhas para a platéia e o outro ator vai procurar, as criaças adoraram e participaram intensamente, a atriz até brinca que, como o personagem principal, o povo se apropriou da latinha, foi bem engraçado) Já que a história se passa numa cidade onde está tudo escuro a luz podia tentar recriar esse espaço de maneira mais efetiva sem ser cansativo para as crianças.

O fato dos atores estarem com microfone prejudicou um pouco a minha percepção sobre a atuação de cada um, o microfone artificializa a voz e me faz distanciar deles. Senti que os atores estavam um pouco nervosos no início, e houve alguns problemas de encenação, a foto do Joaquim sumiu, algumas falas eram sobrepostas e alguns momentos o público se dispersava.

Mas houveram momentos muito bonitos dentro da peça, o final por exemplo é um momento muito bonito. Adorei a utilização da plaquinha FIM. Durante toda a peça houve alguns elementos interessantes com os quais a companhia trabalhou, entre eles o fato dos atores interpretarem narradoes e personagens, havia elipses de tempo (passado – futuro) bem utilizadas, o teatro de bexigas… Enfim no todo eu gostei, acho que com mais tempo de estudo a peça ficaria ainda melhor!

Lendo o site da companhia me parece que o espetáculo que veio para São Carlos conta com algumas modificações, talvez um espetáculo menor do que o original e com outros atores, mas não sei dizer ao certo.Se alguém tiver essa informação por favor deixe nos comentários.