Felipe Lwe

"Quem tivé de sapato num sobra, num pode sobrá"


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Filme: “Antes de Depois de jantar” (Before and After Dinner) de Cindy Kleine


Hoje resolvi andar um pouco e como quase todas as minhas peregrinações, ao término, me achei nas voltas da Avenida Paulista, sabendo que o Festival “É Tudo Verdade” [“It’s All True”] (acesse aqui! 03 a 13 de abril de 2013 em São Paulo) estava na cidade resolvi ir até o Reserva Cultural ver a programação do festival. Olhei o encarte e um título me chamou atenção: “Before and After Dinner“, resolvi pegar o ingresso e assistir, não li sinopse, não perguntei nem pesquisei sobre, apenas me sentei e aguardei o horário.

Cartaz Before and After Dinner

Cartaz Before and After Dinner

A esposa dele, Cindy Kleine, foi quem dirigiu o documentário. De maneira bastante humana e despretensiosa ela passa a nos mostrar fragmentos da vida de André Gregory, um diretor de teatro que também trabalha como ator em Hollywood. O casal mantém uma diferença de aproximadamente 24 anos, enquanto ela tem 39 ele está com 63 durante a filmagem, no entanto Cindy trabalha de maneira descontraída essa diferença no doc, num exemplo cômico ela mostra que enquanto ele teve apenas 1 casamento durante um período de tempo, ela teve uns 20 namorados e a sobreposição de fotos acaba tendo um efeito cômico, e isso nos aproxima da história dos dois. Todos os fatores que poderiam levar a algum tipo de tristeza ou cíumes ela trabalha de maneira leve.

Trailer Before and After Dinner

A história de André me pareceu bastante interessante, ele nasceu numa família bastante conservadora, avessa à demonstração de afeto, um pai ausente, que no meio da filmagem do doc se sabe que talvez ele estivesse ligado ao Regime Nazista de alguma maneira, mas uma babá bastante presente. Já desde o final do colégio, assim me parece, começou a se interessar pelo teatro e mantinha uma companhia de teatro custeada pelos cheques do pai, trabalhou com Jerzy Grotowski (criador do “teatro físico”) onde aprendeu algumas “técnicas” para usar como ator. E apesar de trabalhar como ator em grandes filmes comerciais o real trabalho dele era nos ensaios de suas peças que sempre gostava de encenar em lugares inusitados, muito diferentes dos tradicionais palcos italianos.

O ponto alto do doc surge quando André comenta com outros dois amigos sobre a seleção de casting que participou com o diretor Martin Scorsese. Ele conta que à pedido do diretor ficou trinta minutos se concentrando para entrar em transe e quando Scorsese entrou novamente na sala do casting encontrou André pelado dançando em transe e gritando palavras do texto do filme em questão, assim Scorsese teria saído correndo para pegar uma câmera e gravar tudo o que estava acontecendo. Cindy foi atrás da fita e na fita não há nada mais do que André num sofá lendo o texto de seu personagem. E Cindy nos pergunta se ele criou toda a história, se ele acaba por se reinventar contando esses fatos que não existiram, ou não dessa forma, e se isso importa? E eu me pergunto: Não é essa a base do documentário? Reinventar os fatos a partir de uma leitura de quem os quer mostrar?

 por Daniel Bodner

Cindy e André por Daniel Bodner

Cindy vai nos mostrando aos poucos os retalhos da vida deste senhor. O clima é bastante intimista, muitas vezes nos parece até que o filme é do próprio André por ele falar sobre o trabalho dele em voz over sem necessariamente vir alguma questão ou parecer uma entrevista. Conhecemos sua família, o drama quando André descobre a possível ligação do pai com Adolf Hitler que chega a deixá-lo com herpes de um dia pro outro, seu trabalho, o ensaio das peças que dirige pode até levar anos para ser encenada de fato, seu trabalho “remunerado”, os papéis de Hollywood, seus hobbys, a pintura que surge através da própria Cindy. Todo esse material vem através de fotos, entrevistas, vozes off e over muito bem mescladas e que em alguns momentos criam relações diferentes das mais comuns, como no momento em que ela nos pergunta sobre a foto de seu casamento se não parece a foto de dois casais gays.

Para André não existe teste de atores, ele entrevista os atores e espera que algo neles o encante e encantado apenas confia no ator e entrega seu trabalho, algumas orientações, algumas emanações energéticas xamãnicas (quem assistir entenderá), mas nenhum julgamento sobre o trabalho alheio, se estabelece uma relação de confiança em que se pode tudo o que o ator quiser, usuando sua própria energia para construir seu personagem e durante os ensaios o caminho começa a ser traçado. Um estilo de trabalho bastante contemporâneo e não-violento como existem tantos outros por aí. As palavras, sua própria figura, os pedaços de sua história, o olhar de Cindy nos mostra um homem bastante amável, que ama o teatro do “não”-ator, aquele que não representa, aquele que vive, dá vontade de conhecer melhor André e seus trabalhos, além de ficar com a impressão de que pode e deve ser mais tranquila, serena. divertida e amável.


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Videodança pássaros – teaser 1 #lappin


Siga o coelho….


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Filme: “The Straight Story”


O filme “The Straight Story”, do diretor David Lynch (que dirigiu a série Twin Peaks), é de 1999 e conta a história de um senhor que vive com sua filha. E depois de sofrer uma queda em sua própria casa percebe que novas limitações físicas estão deixando-o mais debilitado. Ao receber a notícia de que seu irmão Lyle não está muito bem ele decide fazer uma viagem inusitada, encara milhas e milhas em seu mini-trator-cortador-de-grama para visitar Lyle. Sua filha tenta desmotivá-lo mas rapidamente percebe e entende a situação de seu pai, para ele parece ser muito importante conseguir realizar sozinho e de sua maneira a viagem.

Do David Lynch eu assisti apenas Twin Peaks (ainda estou assistindo os episódios finais) e é interessante perceber como ele se utiliza de da linguagem cinematográfica para reforçar algumas coisas, chega a ser até exagerado o modo como ele se utiliza por exemplo dos relâmpagos que iluminam o rosto de Alvim Straight numa das cenas em que percebe algo errado pelo telefonema que sua filha atende no que parece ser a cozinha. Os clarões são muito fortes, o reflexo da chuva em seu rosto, gotas escorrendo no vidro e ao mesmo tempo no rosto de Alvim, e a câmera se aproximando evidenciam o que precisamos saber: Straight sabe que algo ruim aconteceu com seu irmão. Assim como na série Twin Peaks, em que ele usa os recursos também muito a flor da pele até beirar o não-realismo. A música do filme também se parece bastante com a música da série, uma melodia contínua e num arranjo bem próximo entre as duas trilhas sonoras.

Já no início do filme ouvimos uma queda e não sabemos direito o que aconteceu. Mais tarde quando um amigo do senhor Straight chega procurando por ele, acha-o caído na cozinha, logo depois a vizinha entra na cozinha e a filha de Straight também. A filha fica desesperada, começa a perguntar em voz alta: “O que vocês fizeram com ele?”, a vizinha corre atrás do telefone e diz que vai ligar para o número da emergência, enquanto o senhorzinho no chão está calmo e apenas pede para que lhe ajudem a levantar do chão.

Straight e sua filha fazem um trato, ele terá de visitar o médico. Depois da dificuldade de levá-lo ao médico, ele se mostra muito teimoso. A cada doença que o doutor identifica e indica um certo tratamento, Straight responde: “Nem pensar, não vou fazer”; “Não adianta mandar eu fazer esse exame”; “Não vou operar”, a caída deixou seu quadril desalinhado e portanto para se levantar ou sentar ele sente dor, mas não se rendeu as recomendações do médico, pediu outra bengala, e saiu do consultório andando com duas bengalas. A turronice dele vem da insegurança desse procedimentos médicos, porque não os conhece, não sabe como funcionam e aceitar tais procedimentos significa assumir sua própria velhice, sua dificuldade em realizar algumas tarefas, significa aceitar sua condição e isso é algo que ele não parece querer.

Depois que Straight já está na estrada, seu cortador de grama quebra e percebe que precisa de outro veículo para concretizar a viagem. Então procura um amigo, que pelo que parece é um empresário do ramo de tratores e compra um mini-trator bem parecido com o que ele tinha, mas em ótimas condições. Desde o início do filme percebemos diversas fragilidades no personagem principal e no entanto ele não desiste e o take final dessa cena é o senhorzinho montado em seu novo mini-trator passando ao lado de tratores monstruosos, fortes e imponentes e ele parece não ligar, mas para nós que estamos assistindo fica muito claro o contraste de forças e isso nos faz compadecer de Straight diante de tamanho contraste e do esforço que ele vai fazer para chegar na casa do irmão que fica a muitas milhas dali.

Straight, durante sua viagem, conhece muitas pessoas e conversa com elas, parece que o que mais importa pra ele é conversar um pouco, compartilhar o tempo. Nessas conversas ficamos sabendo por exemplo: que a filha de Straight tem um problema de fala no qual ela não consegue falar uma frase sem pausar alguma vez, como se ela fosse gaga, é um tanto sufocante esse problema dela, e essa dificuldade foi adquirida assim que ela perdeu a guarda de seus filhos por um acidente que aconteceu, ao que parece, sem culpa dela. Outro momento interessante é quando ele afirma que uma das melhores coisas da idade em que ele está é que hoje sabe separar o joio do trigo e não dá mais importância àquilo que de fato para ele não tem importância. Em outra conversa que ele tem com um senhor da mesma faixa etária sabemos que ele participou da Segunda Guerra Mundial e que por um equívoco ele acabou matando o parceiro de guerra “Kotz”, mas guardou isso consigo mesmo durante todo esse tempo.

É um road movie, com muitos planos de paisagem, com a câmera passeando por cima das plantações, os fades servem para trocar as paisagens, as vezes as imagens são quase abstratas nos padrões de plantação que enfoca. Esses planos aparecem geralmente enquanto o senhor está viajando pela estrada. Ele parece viver num outro tempo, até mesmo porque o seu mini-trator alcança uma velocidade pífia se comparado aos caminhões que passam ao seu lado buzinando. É um outro tempo, ele passa pela vida contemplando-a, está interessado na companhia das pessoas que encontra. Alvim Straight tem uma relação muito forte com o céu, o plano inicial dos créditos é um céu estrelado, e em outros momentos do filme nos deparamos com ele olhando para as estrelas, isso porque ele e seu irmão costumavam fazer isso quando eram pequenos. Durante a viagem Alvim já mantém uma relação com seu irmão, mesmo sem tê-lo encontrado ainda, isso faz com que queiramos que eles se encontrem, queremos descobrir por que essa relação com o céu. Depois de alguns apuros, como no momento em que seu trator fica desgovernado numa descida e ele quase capota, ele chega na casa de seu irmão, anda devagar até a frente da casa e chama por ele. Silêncio. Lyle! Exclama Alvim. Silêncio. Percebemos o desespero de Alvim, que parece achar que seu irmão tenha morrido, afinal foram meses de viagem. Alvim! Um grito de dentro da casa ecoa. É o irmão de Alvim. O reencontro é emocionante, não há diálogo, apenas uma pergunta, uma resposta e mais uma vez o silêncio de estarem juntos, mesmo com os problemas que tem entre si.