Primeiro Ato
O primeiro sinal de que Franz não lida bem com a perda aparece numa partida de ludo, numa reação quase irreal, estetizada enquanto exagero, ele perde as peças para Leopold e num gesto bruto e rápido acaba com a partida. Com algo tão mínimo como esse jogo já se percebe quão impulsiva podem ser as reações do rapaz que acabou de conhecer este senhor que o levou para seu apartamento. “Se perco o jogo pra mim não faz sentido”, Franz.
A cor preta está na camiseta do garoto, ele escolhe a cor preta para representá-lo na partida de ludo e durante a conversa diz que pintaria metade da casa dele de preto. Leopold responde que a única parede preta que há na casa dele lhe causa náuseas. Como esse senhor vai se sentir ao conhecer a ‘casa’ (o corpo que ele habita) desse garoto Franz? Sendo que metade sua é preta e com apenas uma parede Leopold sente náuseas. Estamos preparados para um conflito. E Franz não lida bem com perdas.
Outro sinal dos problemas que Franz tem com perder vem através de outro diálogo. Ele fala sobre a dificuldade da perda dos pais diante da separação deles. Numa sequência posterior Leopold sonda os sentimentos do garoto, deixando-o um tanto confuso, a câmera também atua nessa função girando em torno dos dois, Franz é o centro, Leopold contorna-o por um lado e a câmera por outro até a pergunta desestabilizadora: “Você já foi pra cama com um homem?”. O mesmo efeito que Franz sente de estar confuso com as perguntas nós sentimos pelo efeito da mise én scéne e da câmera (panoramica) que concretiza formalmente essa sensação.
A bebida, num gole só, ajuda o rapaz a se abrir. Franz conta a Leopold sobre o sonho que teve e descreve um homem que transava com sua mãe e que em seu sonho acabava por transar com ele como uma imagem semelhante a de Leopold. Aqui o plano é frontal de fora do apartamento, há duas janelas, em uma Leopold, em outra Franz, podemos analizar as reações de cada um e como elas se relacionam entre si. O plano tem uma função reflexiva, você analisa as reações e percebe a fragilidade de Franz e a perspicácia de Leopold. No relato de Franz se configura uma identificação com a mãe, com o feminino, com o ser penetrado, ele desconversa sobre ter experiências com homem, mas seu corpo diz o contrário e a maturidade de Leopold o faz perceber isso. Leopold está no controle, já estamos novamente dentro do apartamento, a condição entre os dois agora é outra:
“Devo agir como o homem dos seus sonhos?” – Leopold
No quarto, Franz na cama, a música com timbres infantis e o plano contra-plongee de Leopold. Leopold totalmente no comando da situação.
Segundo Ato
Franz se lembra da noite anterior, está animado, corta as unhas, faz a sombrancelha e quando percebemos ele já assumiu o papel de mulher de casa. Num diálogo rápido, inteligente e doentio, onde Leopold arranja desentendimentos gratuitos com Franz temos uma cena clara: a vivência de alguns anos que pode cansar um relacionamento e viciá-lo em alguns padrões de resposta se acelera e com apenas alguns minutos essa situação já está posta. Leopold age como em todos os seus relacionamentos anteriores e seu sarcasmo, irritação, atuação dominadora, desprezo, falta de reconhecimento, vai minando a auto-confiança e a independência de Franz, assim como ele fez com os outros que passaram por sua vida. No meio de uma discussão: “A última palavra é sempre sua” Leopold, depois de sua fala ninguém mais fala.
O tema morte aparece de maneira branda, com o suicídio de um cliente de Leopold. Com o tempo percebemos que Leopold não é muito sincero com suas emoções, ele se mostra culpado pela morte, Franz intervém. A morte está transitando a relação dos dois.
Terceiro Ato
A paleta de cores muda radicalmente, do verde musgo até o caramelo queimado muda para o azul bebê até o vermelho ocre. Uma mulher chega na mesma paleta dele agora, num casaco vermelho escuro, pergunta por Leopold. Franz e essa mulher estão na mesma fase e as cores indicam isso, o relacionamento com Leopold é frio mas internamente as sensações estão a flor da pele em Franz e também nessa mulher Vera.
Franz encontra uma arma numa gaveta. A possibilidade da morte se concretiza e a câmera torna a morte real, num plano ele encosta a arma na cabeça e produz um som de tiro com a boca, no outro plano se joga na cama como se tivesse levado um tiro. Anna, uma antiga namorada de Franz reaparece e quer tirá-lo dali e daquele sofrimento casando com ele. A câmera reproduz o enquadramento de 4 anos atrás, o que antes era noite, o desconhecido, virou dia, está tudo às claras agora. Franz na posição de Leopold e Anna na posição de Leopold, a câmera antecipa quem será o novo Franz da história.
Quarto Ato
No apartamento Leopold pega Franz e Anna, Vera chega a tempo. Vamos foder os quatro é a pergunta de Leopold, mas desde o começo sabemos que Franz não lida bem com perdas e divisões, nesse esquema ele perderia parte de Leopold e assim pra ele o jogo não vale mais a pena. O veneno é a decisão silenciosa de Franz, enquanto os três no quarto se deixam levar pelo tesão, mas Vera percebe que Leopold só está se relacionando com Anna e abandona o quarto silenciosa. Numa conversa forte Vera se abre e conta que Leopold lhe disse: “Se você fosse mulher eu poderia te desejar de novo”, o desejo em Vera dura apenas mais alguns meses e a relação dos dois acaba. Leopold é esse homem que domina os sentimentos do outro e os subjulga.
Aos poucos o veneno toma conta de Franz “Sou sua criatura” ele diz, a reação de Leopold: natural, passa por cima do corpo como se Franz fosse apenas um casaco. Anna grita mas se submete à Leopold, Vera apenas entende que assim como ela, Franz havia sido dominado e não aguentaria viver sem Leopold. Um gesto do pulso mostra que Franz não está mais ali, avisados fomos desde o primeiro ato. Vera resolve abrir as janelas da sala em que se encontra ela e o corpo. Abre as cortinas e puxa a janela. As janelas não se abrem. Nenhuma janela se abre, é impossível, ela força algumas vezes mas não consegue. A casa, a situação, Leopold são uma prisão de onde não se consegue obter ar novo. Uma vez criatura nunca se respira outro ar.
Esplanações minhas
A direção de arte é maravilhosa, as cores se arquitetam para demonstrar estados psíquicos dos personagens, tem uma função dramatúrgica indicam questões conflituosas dos personagens e instauram uma atmosfera e a fotografia se adequa perfeitamente a essas escolhas. A direção tem uma mão certeira nos enquadramentos que se repetem, mostrando as diferenças entre antes e depois com elementos estruturais (noite/dia, cor, lugar dos personagens, diálogos), os diálogos contém pistas importantes sobre os personagens num roteiro muito bem amarrado. Não é à toa que vence o Urso de Ouro de Berlin em 2000.