Felipe Lwe

"Quem tivé de sapato num sobra, num pode sobrá"


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Peça: “Vagaluz”, direção de Antonio Januzelli


Vagaluz é o que encontramos quando nos sentamos para assistir a peça. Os atores estão sentados na penumbra. A luz, que rebate na parede de tijolos do espaço cênico do Sesc Pompéia, mal ilumina seus corpos, como quando temos algo na ponta da língua, mas não conseguimos lembrar da palavra exata. Aquela palavra, que mal iluminada em nossa imagem mental, não pode ser traduzida por nós em linguagem.

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Aos poucos Edgar Campos e Lídia Engelberg caminham até a luz e começam a nos contar pequenos fragmentos de histórias. Os olhos muitas vezes vidrados, um corpo que se esforça pela fala, por pequenos gemidos ou gritos, que se retorce, se aperta ou se preenche de euforia num momento de lucidez.

A sensação é de estar dentro da mente. Observando lapsos de memória, de lembranças, que as vezes se interconectam, às vezes estão misturadas à recriações, à repetições. O que permanece em nós das histórias que vivemos?

Entre os fragmentos que ouvimos é muito fácil se emocionar. As semelhanças que encontramos nessas histórias com nossas próprias histórias. Ou o medo de perder as nossas histórias com o tempo, de que o esforço que façamos para lembrar do que vivemos não nos traga mais do que algumas imagens mal iluminadas, alguns sons desconexos, uma aleatória combinação de histórias que não se encaixam.

As trocas de luz indicam as mudanças de espaço propostas pelos atores e bem devagar, quase sem perceber, estamos imaginando os locais de nossas infâncias no palco, uma tia nossa andando pelo corredor de casa, nossa mãe gritando da cozinha, alguma situação familiar mal resolvida que trazemos ainda conosco. Não há cenário, mas pelo cunho pessoal e intimista da interpretação, que nos remete às conversas das reuniões familiares, aliada ao trabalho de luz, cada espectador vai criando seus próprios cenários e sua identificação com as histórias.

Não há exatamente uma mímese da condição de alguém com alzheimer. Às vezes o corpo e a voz indicam essa condição, mas na maioria das vezes é a junção dos fragmentos das histórias, um algo sem sentido aparente, um olhar perdido ou confuso, uma explicação fora de contexto, ou, ainda mais forte, um olhar penetrante que te observa. Fixa em você a falta do que dizer junto à vontade de dizer algo. E causa desconforto em nos fazer entender que essa é a condição da memória. A memória é efêmera, muda com o tempo, o que não muda é a vontade de lembrar.

Os figurinos bastante simples remetem a uma conversa tranquila, em família, em casa, numa casa de repouso… O espetáculo todo tem essa atmosfera despretensiosa. Sem “grandes” recursos, nos aproximamos e, quando percebemos, estamos envolvidos pelo olhar penetrante da Lídia, ou pela euforia infantil do Edgar. Eles nos conduzem delicadamente por uma mente vagamente iluminada, onde, de sopetão, acontece um clarão, e é possível ver rapidamente uma lembrança. Uma lembrança sem final, que não se vê por inteira, e de novo estamos na penumbra.

Memória. Penumbra. Humana.

Para mais informações sobre o diretor:
https://jornal.usp.br/cultura/peca-de-teatro-reflete-sobre-a-autopercepcao-do-ator-e-do-publico/


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SEIS.10 – Semana da Imagem e Som – Oficina de Maquiagem 1ª Parte – Teoria


No dia 16 de junho de 2010 a UFSCar recebeu, através da Seis.10, a maquiadora Guta Bodick (http://artemake-up.blogspot.com/) convidada a ministrar a oficina de Maquiagem. Guta trabalha há 20 anos na indústria audiovisual paulista, na TV e no cinema, faz trabalhos com maquiagem de publicidade, maquiagem para curta-metragens, vídeos, clipes e há 15 anos dá aulas de maquiagem no SENAC e no Instituto Criar de TV, Cinema e Outras Mídias. Segundo ela no mercado de trabalho, principalmente em publicidade, precisa de profissionais que façam rápido as maquiagens e bem feito e em troca recebe-se uma grana considerável por esses trabalhos. Junto com a Guta veio o Gilberto Tavares, efeitista que trabalha com efeitos de diversos tipos, efeitos visuais, especiais, mecânicos e de maquiagem. Gilberto trabalha também há 20 anos mo mercado paulista, fez trabalhos para longas, para publicidade e entre seus trabalhos já produziu diversos mocapes e explosões. Segundo ele os profissionais dessa área fazem uma migração da publicidade para o cinema e nos últimos 10 anos os efeitistas conseguiram entrar em contato com produtos de qualidade profissional, que antes só era vendidos no exterior, e esse contato proporcionou uma melhoria muito grande nos efeitos brasileiros. Além disso afirmou que pela abertura que a Ancine está dando à novos projetos audiovisuais o mercado brasileiro para esses profissionais está crescendo.

A Oficina começou com a Guta. Ela apresentou o mundo da maquiagem como o mundo da magia que tem a possibilidade de trazer os sonhos para a realidade. Para ela todo o projeto que tenha uma câmera e uma pessoa precisa de um visual e é isso o que o maquiador vai fazer. Segundo ela o Brasil começa a valorizar esses profissionais vinculados à maquiagem há pouco, mas ainda há muito preconceito com o trabalho pois algumas pessoas ainda vem o maquiador como aquele profissional que apenas tira o brilho dos atores, mas na verdade a maquiadora tem o poder de modificar o rosto e o visual dos atores resignificando a obra cinematográfica.

Guta apresentou resumidamente a evolução do uso da maquiagem. Antigamente era usado muita maquiagem pois os filmes tinham pouca sensibilidade, assim como as lentes, e portanto era preciso usar muita luz para iluminar os atores. Quando se usa muita luz é necessário usar muita maquiagem para redesenhar o rosto desse ator para que o espectador tivesse uma sensação a respeito daquele personagem. Houve também uma evolução na cosmética que tornou possível o uso de menos maquiagem e os avanços tecnológicos também contribuíram para isso. A TV nunca tinha exigido um trabalho muito detalhado da maquiagem pois ela em si não imprimia muito detalhe em seu suporte, o cinema já exigia um trabalho mais detalhado da maquiagem, mas com a chegada do HD (High Definition – Sinal de alta qualidade) todos os produtos audiovisuais estão exigindo um apreço muito maior em relação à maquiagem por causa do nível de detalhamento que o sinal HD possui. O HD traz informações que antes nós não conseguíamos enxergar. Guta comenta que o olho humano quer ver algo sem interferência (acredito que este olhar esteja treinado para isso), mas a pele humana tem brilhos, manchas, diferenças, marcas que nem sempre são desejadas, principalmente no HD onde conseguimos ver o rosto humano com maior riqueza de detalhes. Guta acredita que estamos vivenciando um período de transição e o modo como se faz maquiagem precisa ser revisto. No exterior ela comenta que existem muito mais produtos e estes são mais baratos e o trabalho do maquiador é visto com mais importância, lá se trabalha com o conceito de maquiador artista (Make-up Artist).

Depois Guta pergunta para os participantes para que serve a maquiagem. Ela responde que a maquiagem serve para retira imperfeições da pele captadas pela lente, melhorar a visibilidade do rosto, torna as características da pessoa ou do personagem mais fortes e evidentes, além de dar dicas aos espectadores sobre o personagem. Além disso a maquiagem pode e deve atuar, dependendo do trabalho, em três dimensões distintas: a dimensão física (como por exemplo: sinais de gripe, doença, acidentes como a perda de uma perna ou um braço); a dimensão sócio-cultural (época que vive o personagem, classe social, tribo cultural a que pertence); e a dimensão psicológica (perturbações que geram deformações no rosto por exemplo). Guta também falou sobre as áreas que a maquiagem abrange: Maquiagem de Beleza (maquiagem limpa, que realça a visibilidade de um rosto); Artística (O universo do circo por exemplo, do teatro, dos espetáculos de dança); Maquiagem de Caracterização (Trabalha com a construção de um personagem – aplique de barba, cobrir uma tatuagem, aumentar uma careca, falsear barriga, gravidez e outros efeitos); de Efeitos Especiais (próteses, machucados, sangue); e Maquiagem para HDTV (tem particularidades como produtos específicos de maquiagem para esse tipo de sinal).

Hoje em dia o trabalho dos maquiadores, segundo Guta, é mais pontual. O HD capta muito mais detalhes do rosto no entanto se a maquiagem for muito carregada o HD também vai imprimir esses exageros, portanto precisa-se pensar no que se deve corrigir no rosto de uma pessoa, descobrir as sombras as diferenças de cor e pensar em que produtos utilizar para corrigir esses problemas. Ela mostrou por fotos algumas paletas de maquiagem que recomenda usar: a paleta da Derma Color e outra da Kryolan, as paletas de cor de pele, diferente de marcas comerciais como Avon e Natura que trabalham com bases claras médias ou escuras, as profissionais possuem uma gradação de cores muito grande, chegando a impressionantes 32 tons separados com a possibilidade de misturá-los e encontrar novos tons. Existem produtos específicos para maquiar em HD, esses produtos possuem micropartículas que penetram nos poros e os cobrem de maneira quase imperceptível, o pó, pancake, é super fino, bem diferente da maquiagem comum tradicional. Ela apresentou também um gel chamado Perfect Matt que tira a oleosidade da pele de maneira muito eficiente, no entanto essas maquiagens específicas são muito caras.

No Brasil esse produtos profissionais começaram a chegar através da Cinema Make-up (o dono é amigo da maquiadora, o nome dele é Pietro e ele inclusive dá cursos de maquiagem), como a marca Graftobian Make up Company que possui um preço mais acessível e um resultado muito bom para trabalhos profissionais. Ela mostrou uma paleta de correção de pele (#30277 – número de identificação da paleta) que quebra tons azulados da pele e neutraliza outros tons (o vermelho, o roxo, o cinza e o marrom), essa paleta tem um preço médio de R$150,00, e essas paletas já vem separadas por temperatura de cor. Para a Guta a marca Mac de cosméticos é mais apropriada para o universo Fashion / Moda por ter cores e texturas mais exageradas que combinam com esse universo. Ela apresentou aos participantes o aerógrafo, aparelho composto de um compressor, pistola e tintas (coloridas e cor de pele) a base de água ou de óleo que foram uma febre assim que o HD chegou nas TVs, mas que hoje em dia não são mais tão usados. Os aerógrafos funcionam no HD ele pulveriza a maquiagem tornando-a imperceptível, o problema é que você precisa ter tempo e assistentes para fazer a maquiagem pois a pistola precisa ser desmontada e limpa a cada troca de cor que você faz para maquiar e como os trabalhos na publicidade e na TV precisam de uma agilidade muito grande o aerógrafo acabou caindo em desuso. Em alguns telejornais e em rosto com muita interferência (muitas marcas e sinais) ele ainda é usado. Como o HD capta muito brilho a Guta recomenda não usar nenhum produto acetinado, mas em contra partida pouquíssimo brilho revela lugares maquiados, portanto precisa existir um equilíbrio entre ter e não ter brilho na maquiagem para H, o ideal é ter um certo brilho, um brilho natural. Tirar totalmente o brilho do rosto pode dar diferença com o resto do corpo pois a pele possui um brilho natural. Ela mostrou algumas fotos com o efeito “antes e depois”.

Guta deu alguns toques sobre figurino também. Disse que antes roupas que tinham estampas listradas e pequenas davam batimento no vídeo, um efeito geralmente indesejável, no entanto hoje em dia esse efeito não ocorre no HD o que possibilita um uso maior de estampas, mas deve-se ter um cuidado grande com detalhes que antes não apareciam numa filmagem como dobras brisadas, costuras e alinhavos, e ter um cuidado também com cores puras pois no HD ficam saturadas demais e muito brilhantes, as tonalidades pastéis funcionam melhor.

Guta vê a maquiagem como um desenho que, como qualquer desenho, pode transmitir volume, luz e sombra, textura (lembrar que o liso também é uma textura),cor. “Somos pintores e nossa tela é o rosto” disse ela. Precisa-se entender o rosto e sua anatomia: o osso, a musculatura, pra onde vai o músculo num movimento para que você saiba o que desenhar com a maquiagem. Ela falou sobre a Zona T, uma zona em que os ossos do rosto são mais saltados, essa área envolve toda a testa e desse numa faixa que vai do centro da testa até o queixo, nessa área geralmente encontra-se os maiores pontos de brilho do rosto. Além de identificar essa área o(a) maquiador(a) precisa fazer uma leitura desse rosto buscando os buracos, as cavidades, as linhas, onde a luz chega e depois agir sobre o que foi identificado. A Guta acredita que alguns sinais realmente precisam ser melhorados e suavizados no entanto se preocupa e tem um cuidado em não sair do real do ser humano e ficar tudo meio de plástico, porque nenhum ser humano tem uma pele perfeita, o que se deve fazer é cuidar da pele passando filtro solar e outros cosméticos que ajudem a pele a continuar bem durante os anos.

O jeito de encarar a maquiagem mudou para Guta quando ela entrou em contato com o conceito de Visagismo, introduzido por Philip Hallawell, segundo Guta Visage significa rosto e a partir do conceito de Visagismo pode-se pensar em linhas, cores, texturas, luzes e sombras. Para Philip as linhas do rosto podem causar certas sensações: as linhas retas trazem a sensação de força, poder, rigidez, se verticais transmitem um certo conservadorismo, se horizontais transmitem a idéia de uma barreira, de obstáculos, por isso os cabelos de apresentadoras de telejornal são retinhos para passar certa confiança e rigidez; as linhas curvas dão sensação de movimento, algo circular ou cíclico.

Outro aspecto importante para Guta é a Cor. Para usar a cor existem diversas teorias que se pode usar, entre elas: a psicologia das cores (muito usada na publicidade), o círculo cromático e a temperatura cromática, mas ela não se aprofundou nestes conceitos.Antes de fazer, se perguntar porque fazer isso? Pensar no que vai fazer antes de começar. Uma citação que eu achei interessante que ela fez foi: “A função define a forma”, de Louis Sullivan (arquiteto da bauhaus), ou seja depois de saber qual é a função da maquiagem num determinado projeto é que você vai começar a definir o conceito da maquiagem e desenhar no rosto da pessoa.

Os maquiadores trabalham com a imagem e esta possui toda uma linguagem composta de signos e símbolos e de um senso estético para que a comunicação visual harmônica aconteça e possa transmitir a idéia. A escolha do que fazer dependerá de cada projeto: Qual o formato do programa? Qual o conceito por trás do programa? Qual o público-alvo? Geralmente a explicação do conceito da maquiagem vem através de um croqui, por meio de um desenho, de cores, esboços e referências. Durante a aplicação da maquiagem Guta recomenda ficar atento a alguns aspectos: Observar o que o diretor do projeto está achando (o feedback), a reação imediata do ator, os comentários em torno de onde você está e como o público reage. Além disso, ser auto-crítico e perceber suas necessidades, ter o domínio da linguagem, da técnica, ter um Know-how da área, ter atitudes criativas e trabalhar num ambiente criativo.

Ela citou alguns sites, livros e profissionais que lidam com esse assunto:

Imats 2009 – Feira internacional de Maquiagem – http://www.imatsshow.com/los/los_index.php

www.cinemamakeup.com.brwww.msfx.com

Philip Hallawell – Visagismo – Harmonia e Estética – Editora SENAC

Carole Jackson – Cores para a minha beleza – Editora Ediouro

Ilana Berenholc – Consultoria de Imagem – http://www.ilanaberenholc.com.br/

Adriana Leite e Lisette Guerra – Figurino – Uma experiência na televisão – Editora Paz e Terra

Ivan Carlo Andrade de Oliveira – Fala sobre Teorias da comunicação – http://www.scribd.com/doc/6811278/Ivan-Carlo-Andrade-de-Oliveira-TEORIAS-DA-COMUNICAO

– Titta Aguiar – Personal Estylist – http://www.tittaguiar.com.br/