Felipe Lwe

"Quem tivé de sapato num sobra, num pode sobrá"


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Livro: Crítica, Teoria e Literatura Infantil, de Peter Hunt (1991/2010)


Será que o ato de ler leva em conta a materialidade (ou virtualidade) do livro? A capa, as cores, a textura, os textos escritos nas contra-capas? Será que o sentido que extraímos do livro ou do texto literário é influenciado por essa materialidade? Ou ainda, eu e você lemos e entendemos os mesmos significados de um texto que lemos em comum? E se o leitor for uma criança ou um jovem? Quais mudanças podem existir e devem ser levadas em conta na construção de sentido para leitores em desenvolvimento e leitores maduros?

São perguntas para as quais não há respostas fáceis. Essas questões estão presentes no livro “Crítica, Teoria e Literatura Infantil” de Peter Hunt, traduzido pelo Cid Knipel, editado pela Cosac Naify em 2010. É um livro bastante revelador, que aponta para possibilidades de como encarar a crítica e a teoria literária não apenas infantil. Inclusive discute o próprio conceito de “literatura infantil” e de “literatura”.

Como evidência do problema conceitual do termo “literatura”, Peter Hunt traz alguns escritores de “literatura infantil” que não gostam de dizer que fazem “literatura”, como a Jean Ure (escritora inglesa de livros infantis [The Wizard in the Woods – 1990]), que diz ser ininteligível a literatura, apontando para o uso adultizante e, por vezes, pretensioso do termo “literatura”. Na tentativa de localizar quais características estão presentes nos textos que participam da “literatura infantil”, Hunt nos envolve na discussão sobre a linguagem e o conteúdo desses textos.

“A história de Pedro Coelho” (1893), de Beatrix Potter

Em “A história de Pedro Coelho” (1893), de Beatrix Potter, reeditado em 2009, o autor evidencia as questões de controle evocadas pelos adultos para normatizar a “literatura infantil”. Muitos e muitas acreditam que a simplificação da linguagem, a moralidade, o politicamente correto e o apagamento de detalhes presentes na reedição desse livro de Beatrix tornam o livro mas acessível à criança. Mas Hunt chama nossa atenção para a importância da escrita mais livre na literatura infantil e cita Edward Ardizzone (ilustrador de livros infantis) : “A linguagem para crianças precisa ser expansiva e visionária, tudo o que restou foi um conjunto de clichês limitadores”.

Edward Ardizzone in uniform by Henry Carr, (1944)

Esse, e outros exemplos, nos levam a questionar quanto de literatura há em livros didáticos para crianças e quanto de didatismo há, ou deve haver (deve haver?), na literatura infantil. Hunt está questionando o olhar que usualmente temos diante da literatura infantil. Estamos olhando para essa literatura com um olhar adulto, moralizante e didatizante, e, então, propõe que nos dediquemos ao “único elemento que faz diferença para localizar o que é literatura infantil [que] é o seu público”. A criança.

Como fazer crítica, teoria e literatura diante de um público tão diferente do público adulto? Hunt faz algumas modificações num espectro proposto em 1983 por Robert Prtherough, em “Developing Response to Fiction”, que a seu ver pode nos ajudar a compreender como lidar com a crítica e a teoria sobre literatura infantil. Num dos extremos desses espectro estão as questões de fato do texto, as implicações que de tão claras qualquer leitor consegue identificá-las simplesmente por compartilhar a mesma língua com o texto. Ou seja, nesse extremo estão os sentidos provindos propriamente do texto. E no outro extremo, estão os significados pessoais, aquelas associações que são feitas pela unicidade de cada indivíduo e de suas experiências no mundo. Assim, indica que uma crítica está menos no caminho de referendar um significado diante de um texto, e mais no caminho de apresentar possibilidades de leitura, de sentidos e de usos do texto analisado.

Apostando na leitura como processo bastante pessoal e ambíguo, Hunt acredita que as crianças levam essa leitura pessoal ao extremo. As crianças, diante da cultura do adulto, fazem oposição a ela. Elas participam de uma contracultura, ou de uma anti-cultura, apresentam aspectos psicológicos diferentes do adulto, criam sentido através de suas experiências de vida e de outros textos com muito mais liberdade e dispõem de uma estrutura de referências completamente distinta da do adulto. As crianças são “desconstrutoras do texto” e como ele diz: “estão prontas para ler contra o texto”.

Catherine Belsey

A visão de Hunt sobre a criança é de que elas não possuem os mesmos códigos que os adultos e, ao invés disso torná-las inábeis leitoras, pelo contrário, as torna tão livres a ponto de não aceitarem de pronto as formas e sentidos que lhe são dadas. No encontro com o texto, elas estão prontas para rearticular os elementos a partir de suas vontades e de suas experiências anteriores, a elas é possível brincar com esses elementos. É partindo desse entendimento que Hunt cita Catherine Belsey: “o objeto do crítico não é buscar a unidade da obra, mas a multiplicidade e diversidade de seus possíveis significados…” (Critical Practice – 1980). Pensar dessa maneira põe em cheque os cânones, as grandes reuniões de livros de “qualidade” “indiscutível”. Esses cânones têm valor para quem? Essa qualidade é entendida como “qualidade” por todes? Como? Se o sentido e o significado de um texto está sempre permeado das associações pessoais que fazemos (adultos e crianças)?

Estabelecer uma hierarquia dos melhores livros passa a não fazer sentido. (1) Defender uma crítica que exalte um livro, infantil ou não, em detrimento de outros, está mais próximo de uma defesa ideológica, e extremamente pessoal, disfarçada de concepção técnica literária, que fazer (2) uma crítica que amplie as possibilidades de sentido e de uso de um texto, sem compará-lo ou julgá-lo como ruim ou bom. Na primeira (1), você deseja convencer o leitor das qualidades do texto, e, na segunda (2), você deixa o leitor livre para decidir o que pensa e quais sentidos constrói no texto a partir de suas possibilidades e indicações de uso.

Eagleton holding one of his books after a talk at the Mechanics’ Institute, Manchester, in 2008

Terry Eagleton endossa, de maneira um pouco diferente, essa ideia: “As teorias literárias não devem ser censuradas por serem políticas, mas sim por serem, em seu conjunto, disfarçadas ou inconscientemente políticas; devem ser criticadas pela cegueira com que oferecem como verdades supostamente “técnicas”, “auto-evidentes”, “científicas”, “universais” que… nos mostrará estarem relacionadas com, e reforçarem, os interesses específicos de pessoas, em momentos específicos”. E Patrick Shannon, sobre a literatura infantil, é enfático: “se não ensinarmos as crianças a questionar nossas convicções básicas… ficaremos trancados em uma ilusão a-histórica de que o passado, o presente e o futuro, foram, são e continuarão a ser tal como entendemos nossa existência atual. ”

Hunt também defende que a criança apreende sentidos a partir da estética, não apenas das palavras. Assim, um livro com palavras difíceis ou que se utilize de várias vozes diferentes pode não ser sinônimo de falta de entendimento para a criança, que pode estar mais conectada com o contexto e com as imagens sensíveis que forma do que com uma ou outra palavra que não entende ou com algum recurso narrativo que não conheça. E, inclusive, pode ser a oportunidade para que ela conheça e se relacione com o novo.

A literatura infantil é um espaço de liberdade. “O livro não deve ser utilizado como arma” diz o autor. “Quem deve decidir? [o que pode ser publicado como literatura infantil] Quem deve censurar? [um livro infantil]” Se qualquer posição já prevê uma ideologia por detrás, não estaremos promovendo liberdade para que a criança desenvolva sua própria consciência crítica acerca do mundo. Evitar situações tensas, que evocam as dificuldades e complexidades do mundo adulto, é jogar limpo com as crianças? Ou é aliená-las? Será que ao cercear o possível estamos incentivando a criança a crescer e se desenvolver ou estamos tolhendo e deformando-as em suas próprias possibilidades?

“A grande confusão” (1981/1991) de Phillipe Dupasquier.

Nessa atmosfera de liberdade, o autor dá um espaço especial ao livro ilustrado, aquele que sem palavras escritas, escreve por imagens. O grande exemplo que traz é “A grande confusão” (1981/1991) de Philippe Dupasquier. Nele, você pode acompanhar vários quartos de um hotel numa mesma página, cada quarto com suas tramas, todas acontecendo simultâneamente. A narrativa se torna múltipla e não-linear, qualidade que Hunt percebe não apenas nesse, mas no gênero mesmo do livro ilustrado, abrindo caminho para a concepção de novas maneiras de fazer narrativa. Que culmina com a extensão da literatura e da narrativa aos textos dentro das novas mídias, com jogos de RPG em que cada usuário é autor de sua própria narrativa e outros elementos externos ao jogo participam dessa narrativa.

Desde o início, Hunt parece caminhar nesse sentido de chamar atenção às narrativas pessoais e aos sentidos que cada texto pode ter para cada pessoa, seja criança, jovem ou adulto. E aí, dentro desse lugar hipermidiático “A critica, para ter algum lugar, tem de ser uma intervenção, uma interrupção e uma extensão da própria história. Isso torna o que quer que seja gerado praticamente irreconhecível como narrativa e singularmente inútil e inacessível à avaliação.” Mas então, diante da literatura infantil, como fazer críticas, criar teorias ou até escrever para esse público? O autor propõe uma crítica criancista, mais perto da criança, mais livre dos dogmas adultos sobre literatura e termina seu livro nos propondo que a crítica criancista deve se afastar de:

  • Conceitos universais; Juízos comparativos; Dos pensamentos absolutos e da fé mascarada de juízo.

E pode estar mais próxima da:

  • cooperação que do confronto; sintetização que da análise; leitura individual e da igualdade sem hierarquia dos textos.

E não esquece de nos lembrar:

“Você pode levar uma criança a um livro, mas não pode fazê-la pensar do mesmo modo que você. ” Peter Hunt.


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Livro: “Praticando o poder do Agora” de Eckhart Tolle


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Livro de Eckhart Tolle

O ano de 2012 não foi muito fácil pra mim, apesar de ser um ano de conquistas importantes. Tive muitos problemas de ordem emocional, muitas dúvidas profissionais e um tanto de imobilidade também de minha parte, até por não saber como reagir a tudo o que estava acontecendo. Foram vários momentos de crise e num deles fui encontrar uma amiga minha, professora de jazzdance e bailarina atuante em musicais, que aliás foi um presente tê-la encontrado nessa vida. Ao final da aula que assisti ela me convidou para um café junto a mais uma amiga. Surpreso aceitei o convite, já que nunca tinha tomado um café com ela antes. No apartamento dela começamos a conversar e tudo o que estava dentro de mim começou a jorrar pra fora. Depois de muito conversar ela chegou em mim e apenas me olhando me entregou um livro e uma essência. O livro era “Praticando o poder do agora” e a essência era de alecrim, um cheiro maravilhoso. Disse apenas “Leia! E se acalme, às vezes batalhamos muito para subir uma montanha e ao chegar lá percebemos que subimos a montanha errada, ou então que era apenas um patamar de uma montanha ainda maior.”

Nunca gostei de livros de auto-ajuda, mas vindo de quem estava vindo resolvi ler. E me surpreendi.

O livro incita você a se deter ao presente, prestar atenção no momento ao qual está vivendo e não nos momentos que passaram ou aqueles que ainda estarão por vir. Para o autor o maior inimigo de nós mesmo é nossa própria mente, quando nos identificamos com ela deixamos de ser nós mesmos e passamos a ser a mente e a julgar tudo e todas as nossas ações. Isso foi uma descoberta pra mim, assim que li percebi que minha mente estava julgando tudo o que eu estava fazendo, pensando, sentindo e a todos os meus amigos também. Com isso não conseguia me decidir sobre o que fazer e nem vivenciar o momento das minhas conquistas, que dirá aproveitar alguns minutos de tranquilidade com quem eu amava. A minha mente estava falando demais, como se eu estivesse ouvindo um monte de vozes e ficando ainda mais confuso. É realmente muito importante distanciar a mente afastá-la e apenas observar e verificar o que está se passando com ela.

Escritor de "Praticando o poder do agora"

Escritor de “Praticando o poder do agora”

Tolle ainda mostra que a mente está sempre pensando no futuro e por isso faz tantos julgamentos, assim estamos sempre apreensivos e dessa situação nasce o medo. Pra mim o medo é realmente o maior obstáculo que temos de vencer, medo de perder alguém, de trocar de trabalho e não ser mais reconhecido profissionalmente, medo de se entregar para a vida e deixá-la nos levar para o nosso caminho. Para conseguir afastar o medo é necessário trazê-lo ainda mais para perto, é preciso olhá-lo e dizer: “Sim, você existe! Eu tenho medo!”, assumir aquilo que nos trava, aquilo nos é defeituoso é sempre muito duro e muito triste, mas é a única forma de conseguir se desvenciliar e deixar de alimentar isso dentro de nós. Portanto se faz necessário um afastamento da mente (que está no futuro e traz o medo) para que possamos viver o presente e nos maravilhar com tudo ao nosso redor.

Numa das passagens do livro temos: “… verifique se você tem um problema neste exato momento. Não amanhã ou dentro de dez minutos, mas já. Você tem um problema agora?” Como nossa mente não para de pensar e nos apressar ficamos lotados de problemas e assim não há espaço para coisas novas e ele propõe então que possamos encontrar a vida por trás de toda a bagunça que nossa mente faz. “Utilize seus sentidos plenamente”!

Sempre que nos projetamos no futuro estamos inconscientes, ou seja, não estamos vivendo o presente e assim é muito fácil a mente nos levar à loucura, à depressão, à infelicidade. “A presença é a chave para a liberdade.”, e a alegria estará por perto pois presentes aproveitamos nossa vida. A maioria das pessoas com quem converso diz já estar velha e por isso não vai conseguir conquistar aquilo que queria, e essas pessoas tem entre 19 e 50 anos, todos plenamente capazes de realizar tudo aquilo que se proporem, no entanto o medo as trava e já desistem antes mesmo de começar, quando não vivem ansiosas e cheias de preocupações sem se deliciar com o caminho que estão trilhando. Mas o trabalho para estancar todo esse medo é grande e lento, exige que deixemos de esperar por aquilo que nos fará feliz e agir no presente. Numa passagem engraçada e que vou levar pra minha vida ele escreve: “Portanto, da próxima vez que alguém disser “desculpe por ter feito você esperar”, sua resposta pode ser: “Está tudo bem, não estava esperando. Estava aqui contente comigo”.”

Mas não é só a espera pelo futuro que nos atrapalha, para Tolle passado e futuro tem o mesmo peso, enquanto não nos desligamos do que fizemos, do que os outros fizeram para gente, do que já passou também não estaremos presentes e conscientes no presente. Muito interessante quando ele passa a comentar sobre os relacionamentos afetivos, porque eu acho muito difícil aceitar o outro do jeito que ele é e estar presente é assumir que o outro é o outro e não vai ser do jeito que eu quero, eu preciso estar bem comigo e presente em mim para poder aceitar o outro e acabei me lembrando de quantas discussões tive com meu companheiro nesse ano de 2012. É muito duro aceitar que temos impulsos agressivos por não querer assumir dificuldades nossas, que o outro muitas vezes não tem a ver com os nossos problemas, e que esse tipo de discussão acaba se repetindo em todos os relacionamentos afetivos que você tem porque o problema é seu FELIPE!!

O grande lance do livro é que eu acordei para o fato de abandonar qualquer resistência sobre o que é. Hoje me esforço para quando me defrontar com algo complicado e dizer para mim mesmo: “Isso é.” Apenas isso, as coisas são. Enxergar o agora como ele realmente é e aos poucos me libertar daquilo que carrego do passado e não fazer mais tantas previsões sobre como será o meu futuro. Mas há algo importante que Tolle não deixa de dizer, com isso não se diz que se deve aceitar situações indesejadas e nem criar ilusões sobre sua realidade, mas “ter a completa consciência de que deseja sair dali. Então reduz sua atençao ao momento presente, sem atribuir nenhum rótulo mental.”

Então para 2013 vale a máxima: “Se não há solução, solucionado está”. E coragem para vencer os medos, que nada mais são do que sombras projetadas por nós mesmos! Sem rótulos mentais!!!

Esses dias (06/01/13) pesquisei e o livro custa por volta de R$11,00, um preço acessível e li em 3 horas. A publicação é da Sextante. No site de Eckhart há alguns vídeos dele falando sobre esse e outros assuntos, mas ainda não assisti, não sei se são bons. Esses dias achei um link para download da versão em pdf do livro “O poder do Agora”, mas recomendo altamente a compra do livro, porque realmente é muito bom!