Felipe Lwe

"Quem tivé de sapato num sobra, num pode sobrá"


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Curta: “Clarita”


Há um mês assisti o curta “Clarita”, também no Porta Curtas. “Clarita” é narrado pela diretora do filme que conta a história de sua própria mãe, que aos poucos foi tomada pela Doença de Alzheimer e acompanhamos junto com ela a trajetória de sua mãe. Temos acesso a imagens da mãe de Thereza Jessouroun, a diretora do curta, já num estado debilitado, se locomovendo com certa dificuldade, sem fala e um olhar perturbador que parece não saber ao certo o que está acontecendo.

A estrutura do curta mistura fotos, clipes antigos de aniversários e viagens, muito provavelmente da própria família, e filmagens atuais do estado de sua mãe e acrescenta ainda alguns momentos ficcionais em que Laura Cardoso interpreta a mãe de Thereza em alguns momentos que provavelmente não existem registrados. É muito forte a relação que a diretora estabelece entre todos esses elementos e o seu discurso, ela se questiona sobre a vida que levava com a mãe antes da doença, questiona os motivos da doença, questiona a mãe, o nível de consciência que ela tem… A filha não sabe o que se passa dentro de sua mãe, mas preza para que todos os níveis possíveis de autonomia de sua mãe sejam respeitados, tudo o que ela ainda conseguir fazer, como mastigar ou andar por exemplo, é extremamente importante e então a família não se rende aos tratamentos que poderiam torná-la totalmente inválida.

Todos nós nos questionamos sobre nossos posicionamentos perante os relacionamentos que mantemos com nossos pais, familiares e é isso o que ela faz, mas no caso dela não existe mais como tentar modificar a relação que tinham, ou se aproximarem mais, ela percebe em alguns momentos que a mãe já não participa dos momentos que ela vivencia. Um dos pontos mais fortes do filme surge quando Thereza se pergunta: “Terá ela alcançado sua realização pessoal?” (silêncio) “Nunca conversamos sobre isso…” Ela ainda questiona como em nossa própria vida não agimos como sua mãe está agora, apenas sobrevivemos, de maneira econômica, não nos aprofundamos nas relações que são importantes para nós, por medo continuamos apenas sobrevivendo.

Todos esses questionamentos partem de uma incredulidade da diretora do porque dessa doença ter vindo em sua mãe, e de como isso desestruturou as suas relações familiares.

A trilha sonora, as imagens, a fotografia dos momentos ficcionais e dos momentos documentais, as palavras que Thereza narra, é tudo muito coeso, muito forte. E é emocionante acompanhar a fragilidade da mãe da diretora e de como essa situação não tem mais volta, o que é possível fazer é cuidar dela até o final de sua vida.

Numa atuação intensa de Laura Cardoso e uma conjunção de elementos cinematográficos muito acertada esse curta propõe discussões sensíveis e evidencia de maneira delicada o que acontece quando o Alzheimer entra dentro de uma unidade familiar. É um filme muito sincero, vale a pena assistir!


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Curta: “Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos”


Esses dias assisti esse curta-metragem pelo Porta Curtas. “Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos” é um documentário de Camilo Cavalcante sobre moradores dos Sítios Caracol, em Sozinho. É um doc sem entrevistas, o discurso está montagem, as imagens agregadas formulam a proposição do diretor ou do coletivo de moradores, uma vez que o filme parece ter sido até certo ponto uma obra coletiva.

O curta é composto por imagens muito bonitas, o por do sol que invade as plantações e o rosto dos moradores, os altares montados em casa para a santa, ao longo do filme percebemos que cada pessoa tem a sua vida, o seu trabalho, suas atividades diárias, o seu jeito de fazer as coisas e enquanto o sol se põe e as crianças brincam, às 18h00 todos param o que estão fazendo e se voltam para sua fé, nem que seja só para se apoiar na enxada e olhar para o céu, ou se ajoelhar em frente ao altar ou uma figura em casa e rezar durante alguns minutos. No entanto o filme não explora mais nada apenas mostra esse cenário, para que observemos esse costume dessa comunidade, como a Ave Maria é tida com um respeito silencioso por essas pessoas.

O som, o foley dos objetos e das ações estão em primeiro plano. Já que não há diálogo esse primeiro plano sonoro serve para que nos aproximemos dessas pessoas através do som de suas atividades. A montagem é um tanto rápida e às vezes parece ter a intenção de se mostrar como um quebra-cabeças que vai delineando como são essas casas, essas pessoas e seus costumes. De resto se destaca também a fotografia, das cenas de dentro das casas que mantém um alto contraste de sombra e luz e de algumas externas que trabalham o contra-luz com o por-do-sol.

Não é um curta que eu assistiria de novo, mas acho que tem algumas qualidades técnicas interessantes. Creio que o roteiro me desagrada um pouco. Mas assistam e comentem aqui em baixo!