Felipe Lwe

"Quem tivé de sapato num sobra, num pode sobrá"


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Filme: Morro da Conceição


Hoje assisti um documentário chamado “Morro da Conceição”. Esse doc foi finalizado em 2005 com direção de Cristiana Grumbach e produzido por sua produtora CRISIS PRODUTIVAS. O filme mostra depoimentos de moradores do Morro da Conceição, senhores e senhoras que sempre viveram naquele lugar, que nasceram e pretendem morrer ali. Essas pessoas contam como eram as festas populares no tempo em que eram mais jovens, todos ficavam à porta de suas casas com batatas doces e outras comidas como bolo de aipim enquanto as pessoas curtiam o carnaval nas ruas e vielas. Além disso, esses senhores e senhoras ainda falam sobre seus relacionamentos afetivos, sobres seus pais e familiares e sobre sua condição atual.

O documentário mantém uma estrutura muito clara, são intercalados depoimentos sobre assuntos semelhantes e em determinados momentos uma sequência de uma rua ou ladeira famosa do lugar (Ladeira João Homem, Rua do Jogo da Bola e etc.). Aos poucos vamos conhecendo os moradores e os lugares que citam em suas falas. A câmera focaliza diretamente os depoentes, a relação de profundidade de campo é bastante pequena o foco por diversas vezes se perde, assim como a câmera que algumas vezes vacila ao tentar acompanhar um gestual ou uma foto. No entanto é interessante que não se tem medo de fazer closes dessas pessoas, acompanhamos elas bem de perto. Outro recurso utilizado pelo filme é posicionar as fotos ao lado de seus respectivos donos, formando quase um antes e depois. Entre a fotografia e a imagem atual o documentário tenta captar o que aconteceu nesse meio tempo.

Os senhores e senhoras que falam na frente da câmera parecem estar muito a vontade, mostram fotografias antigas, mostram os familiares e a diretora mantém com eles uma conversa bastante tranquila. É quase unanimidade um certo aborrecimento com a época atual, eles dizem que o carnaval não é mais a mesma coisa, que o envolvimento das pessoas entre si nos bairros não é mais o mesmo, parece faltar uma cumplicidade para realizar festividades, falta uma agregação que antigamente parecia existir de maneira muito forte. A maioria se casou, mas hoje vive só, ou com algum filho, o resto da família (irmãos, pais, tios) já morreram e por isso é comum ouvir deles que se sentem sós e sentem muitas saudades de seus entes. Mas ao mesmo tempo se ajeitam na cadeira e falam quase para si mesmos: “Mas a vida continua, não é?”, e não se deixam abater, em nenhum momento temos alguém chorando.

Costumes antigos, cantigas, brincadeiras, saudosismo estão entre os temas que eles compartilham com a gente. A parte mais marcante do documentário é numa entrevista com Dona Maria Amélia, em que ela fala que a mãe dela foi sua irmã e de repente ela para de falar, a diretora também não fala nada e ficamos olhando pra essa mulher que exibe uma força em sua expressão, nada se fala, passam vários segundos, é muito forte olhar pra essa mulher que se calou por alguma memória, ela não precisa dizer nada, nós sabemos que alguma coisa está acontecendo, depois temos a confirmação de que ela estava se lembrando de sua mãe-irmã, não há embaraços nem da parte dela nem da parte da diretora ou do câmera, todos a contemplam em sua emoção.

É um filme interessante, principalmente se está interessado em conhecer o universo do idoso, do Rio de Janeiro antigo e de seus costumes.