Felipe Lwe

"Quem tivé de sapato num sobra, num pode sobrá"


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Homophobia filme de Gregor Schmidinger


Estava pesquisando alguns vídeos na internet e me deparei com o link de Homophobia, de Gregor Schmidinger. Até então desconhecia ele e seus filmes. Demorei uma semana pra assistir o link, mas valeu a pena assistir. O título já indica a temática da obra que se passa no que parece um centro de treinamento para o exército, onde muitos jovens convivem juntos para aprender as técnicas militares.

Homophobia

O roteiro, a história mesmo, é comum, um cara que tem muita dificuldade de assumir sua homossexualidade num meio machista e conservador se vê sem saída, tendo que esconder, sem muito sucesso, seus desejos. O que mais me chamou atenção foi a qualidade do curta, a cena inicial produz uma tensão muito grande e originada por dois motivos diferentes: há a tensão da morte e também uma tensão sensual / erótica em relação à boca do rapaz e uma armada que está sendo introduzida nela, uma paisagem sonora limpa e silenciosa ajuda o clima a ficar mais tenso, a fotografia bastante contrastada e fria também acentua a sensação, a direção  optou por planos bastante próximos, o que sufoca nossa possível reação, ou seja não conseguimos relaxar durante esse trecho, que é a sensação que o personagem principal está tendo.

Gregor Schmidinger

Gregor Schmidinger

Gosto bastante de algumas soluções do roteiro como a parte final que possibilita uma certa intimidade entre dois rapazes, assim como a evolução dos personagens. Em curtas com essa temática é bastante difícil manter a progressão de todos os personagens de maneira crível e intensa. Como o curta já parte de um climax fica mais fácil continuar e acentuar a sensação do personagem principal.

A homofobia, o fato de não aceitar o desejo entre pessoas do mesmo gênero, é uma violência, que toma ainda mais força quando praticada por todo um grupo em relação a um de seus integrantes. O fato de um homem amar outro homem gera a violência nesse mesmo homem, e isso porquê? Talvez pelo fato dele querer afirmar ainda mais sua masculinidade evidenciando a homosexualidade do outro, o que também não faz sentido, já que ser gay não define quão másculo você é, mas sim outros fatores culturais, pessoais e até genéticos porque não? Ou essa violência surge pelo medo de saber que homens podem se amar e que isso talvez poderia acontecer com ele e por isso inconscientemente, ou não, tenta se defender? Também pode vir de toda uma bagagem cultural patriarcal e machista… Enfim, não sei direito de onde ela vem, mas sei que ela só gera sofrimento, para o agressor porque hora ou outra ele vai ser punido, além do sofrimento que ele terá quando perceber e se der conta do que está fazendo e para o agredido pelo simples fato da violência acontecer com ele.

Screen shot 2013-03-31 at 2.13.25 AM

Cena de Homophobia

Um curta interessante que aborda a temática de maneira delicada, mas intensa e muito bem produzido. Esse é o terceiro curta que o Gregor dirige, o primeiro chama-se The boy Next Door, que também aborda a temática gay, mas de maneira bem menos apurada do que Homophobia e também tem outro enfoque. É a história de um garoto de programa que aguarda na casa de seu cliente a sua chegada, no entanto o filho do cliente não consegue dormir e eles acabam por conversar e se divertir juntos, coisa que o pai não consegue fazer com seu filho. O tema é bastante interessante, mas a direção, a fotografia e a atuação dos atores, em especial à do pai, em alguns momentos dispersa a atenção e não contribui para a história. Para demonstrar o tempo passado nas brincadeiras entre o garoto de programa e o garoto, por exemplo, a solução é das mais previsíveis, alguns takes com eles fazendo coisas diferentes, uma música de elevador ao fundo e muitas risadas, funciona, mas não agrada.

Cena de Homophobia

Cena de Homophobia

Mesmo assim, algumas soluções de roteiro são muito bacanas, mesmo que um tanto previsíveis, como quando o garoto oferece dinheiro ao rapaz para que ele ficasse na casa e brincasse mais um pouco com ele. É possível perceber o caminho que o diretor trilhou entre os dois filmes, apurando sua técnica e estilo.

Fico na curiosidade para assistir: “Der Grenzgänger”, o filme do meio que não consegui achar na internet. Se alguém souber onde encontrar por favor comente e aproveite e deixe sua opinião sobre os filmes!!


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Espetáculo – “A Projetista” com Dudude


(Contém spoilers)

Na última quinta-feira fui ao Teatro Anchieta no Sesc Consolação assistir ao espetáculo A projetista. Incrível!

Dudude começa o espetáculo entrando no palco com uma mala, enquanto nós ainda estávamos entrando no teatro, ela perambula um pouco, senta, nos olha, faz o percurso novamente e aos poucos a luz vai baixando e um foco de luz surge numa mesa repleta de livros, papéis, canetas, mais papéis… Ela conversa conosco espondo a situação do próprio espetáculo, que é um projeto de si mesmo. Com a ajuda do Aurélio ela nos lembra dos significados da palavra projeto e destaca aqueles significados que mais interessam a esse especificamente. Aos poucos o projeto de Dudude começa a ficar claro para a platéia.

Ela, Dudude, identifica que nós realizadores de arte no Brasil, em qualquer ramo da arte, cinema, dança, teatro, artes plásticas, fotografia, literatura, música, circo e todas as outras formas que não citei, estamos aprisionados na “Era dos Projetos”, nome que ela sugere será dado por estudiosos quando se debruçarem sobre nossa época. Todos nós estamos correndo atrás de editais, todos precisamos ter o nosso projeto de baixo do braço, não importa que você não entenda de leis, não consiga explicar sua arte, você precisa ter um projeto e conseguir explicá-lo. No caso, o espetáculo mais voltado à área da dança, ela propõe as seguintes perguntas: “Como posso saber qual a justificativa de um trabalho que ainda nem comecei? De um trabalho que não sei direito onde vai chegar? A arte não é algo exato, como saber qual o produto que vai resultar de um projeto ainda não iniciado?”

Há cenas e sacadas muito sofisticadas durante o espetáculo. Assim que ela termina de ler o significado de projetista ela afirma ser ela a definição em si, e nos mostra através de sua dança o que significa ser projetista: lançar coisas, tirar de dentro, retrabalhar, lançar novamente, buscar outras coisas, amplificar, jogar aos outros e retrabalhar novamente… Em outro momento, no qual ela já assumiu que hoje em dia não há como não ficar sentada uma boa parte do tempo explicando seus projetos, ela está escrevendo parte do seu currículo (e nos mostrando como é absurdo definir alguém por um currículo) e nos propõe: querem ver o meu currículo? Ela levanta e músicas de diferentes estilos começam a tocar. Um a um, os modelos já formatados de dança contemporânea são ironizados, é incrível como ela consegue listar uma variedade grande de modalidades já cansativamente exploradas e manjadas. Ao final da cena ela começa a enlouquecer sobre seu currículo escrevendo e nos dizendo que, já no melhor status que se pode ter – aquele de criar algo em dança para alguém renomado (outra ironia), ela mesma criou aqui e criou lá, criou aqui e criou lá, até que numa epifania criativa começa a cantar “Crioooooooooooooooooooula” trecho de uma canção, nos mostrando que até quando escrevemos projetos nossa mente foge para algum lugar criativo.

Ela ironiza o formato dos editais, as perguntas feitas e a imensidade de cópias requisitadas: “Como ir ao correio com esse monte de papel” (sendo que ela está com uma pilha de 30 cm de papel nas mãos). Também identifica esse sentimento de perda constante, onde parece que sempre há um edital escapando pelas mãos, não haverá tempo hábil para escrever tudo, não vou conseguir desenvolver o meu trabalho, preciso provar que minha arte é necessária, preciso provar que sou bom, que sou reconhecido por meu trabalho…

Dudude com muita habilidade nos evidencia todos os problemas que nós artistas estamos enfrentando nessa “Era dos Projetos”, em que precisamos definir, justificar, empacotar nossa arte para poder realizá-la, além de mostrar a agonia que isso desperta nos realizadores, que muitas vezes não estudaram essa parte burocrática e que estão se vendo obrigados a entrar nisso para conseguir continuar com seus trabalhos.

No final duas imagens me emocionaram muito, numa delas Dudude pega uma pilha de papel, seu projeto, caminha até um quadrado de luz vermelha no meio do palco. Dudude apoia as folhas nos estômago, como ela está em pé e em contração, as folhas pouco a pouco vão caindo no chão e são tingidas de vermelho pela luz, como se o projeto escrito e todas as exigências feitas pelo edital fossem seu sangue escorrendo para fora dela, deixando-a fraca, sem estímulo, sem vida mais. Num outro momento, com seu projeto escrito espalhado por todo o palco, ela corre com uma mão esticada que empurra uma folha de papel contra o ar, numa imagem verdadeira: quanto mais ela corre para escrever o projeto menos ela consegue chegar nele e num último momento o que ela mais tentou resguardar – sua liberdade criativa ali representada pela imagem de uma floresta projetada numa tela ao fundo do palco – é o que menos ela conseguiu alcançar, o projeto está todo espalhado, ela estática observa sua liberdade inatingível diante da exigência exacerbada e negligente dos editais. Fim. Nesse momento o espetáculo acaba, assim como nós que  também acabamos quando nossa liberdade é cerceada.

Com uma ótima direção de Cristiane Paoli Quito (diretora da Cia. NovaDança4), uma bem humorada e bem sintonizada performance de Dudue (ovacionada durante no mínimo 1 minuto) e repleta de imagens simplesmente fortes ou fortemente simples é um projeto que vale a pena incluir em seu projeto de noite!  Espero que volte a entrar em cartaz na rede Sesc.